Saiba por que esportes de contato aumentam risco de declínio cognitivo





Não é difícil ver atletas tendo concussões em campo ou nos ringues. Alguns chegam a perder os sentidos temporariamente e precisam ser substituídos ou retirados dos locais de disputa — a situação não é simples e médicos alertam que impactos repetitivos na cabeça podem prejudicar a saúde cerebral a longo prazo.



Geralmente, a cena ocorre em esportes de contato, como futebol, boxe, MMA, rúgbi e futebol americano. Para exemplificar o que acontece no cérebro em casos de batida, imagine o órgão como uma gelatina dentro de um pote. A cada pancada, ele chacoalha e gira dentro do crânio. Mesmo não apresentando indicativos claros momentaneamente, os choques podem causar prejuízos à saúde cerebral.


“Os impactos podem ‘desfiar’ os cabos que ligam áreas do cérebro (as fibras nervosas), gerar inflamação e estresse nos vasos, além de deixar a barreira de proteção do cérebro um pouco mais permeável”, explica a neurologista Carolina Colaço, professora de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB).

Mesmo que na hora da pancada não seja possível verificar a concussão, a médica afirma que é possível detectar as alterações através de exames de sangue e imagem em atletas expostos a batidas repetidas na cabeça.


Encefalopatia traumática crônica (ETC)


Uma das principais preocupações com pancadas repetitivas a longo prazo é a encefalopatia traumática crônica (ETC), uma condição ligada ao acúmulo anormal de proteína tau no cérebro e considerada uma doença neurodegenerativa progressiva. O quadro é causado por traumatismos cranianos repetidos ao longo da vida, como pancadas ou concussões.


Um dos casos mais famosos ligados à doença foi o do boxeador Maguila, que morreu aos 66 anos devido a complicações associadas à ETC.


Imagem colorida mostra lutadores de boxe lutando - Metrópoles
Lutadores de boxe correm risco de sofrer com declínio cognitivo por receber pancadas na cabeça durante a carreira

“Estudos mostram que ex-jogadores de futebol profissional ou boxeadores correm mais risco de morrer por doenças neurodegenerativas, como a ETC, do que não atletas”, revela Carolina. Atualmente, o diagnóstico da condição é realizado no tecido cerebral após a morte.


Indícios de declínio cognitivo podem ser constatados ainda em atletas jovens. A neurologista alerta que alguns sinais são preocupantes quando ocorrem de forma persistente ou progressiva. Entre os principais, estão:



  • Queda de desempenho em atividades que exijam atenção, planejamento e execução (sejam atividades mentais, no dia a dia, ou no esporte);

  • Lapsos de memória e atenção, lentidão para “processar” informações;

  • Irritabilidade, impulsividade ou mudança de comportamento;

  • Dores de cabeça, tontura, problemas de equilíbrio ou visão;

  • Sono ruim ou não reparador.


Há um esporte mais preocupante?


A neurologista afirma que não. O que mais pesa é a carga de impactos: frequência de exposição, quão fortes são os impactos e por quanto tempo duraram.


Esportes de colisão, como boxe e futebol americano, possuem impactos mais frequentes e intensos. Já no futebol, apesar de mais “leve”, a soma ao longo da carreira das pancadas durante o jogo e os choques de cabeça também podem evoluir para prejuízos cognitivos.


“O esporte faz bem e deve ser sempre praticado. A ideia não é assustar, e sim gerenciar a dose de impacto e cuidar do cérebro ao longo da carreira”, diz Carolina.

Falhas no protocolo em casos de lesões


O médico do esporte Felipe Cezar aponta que, apesar de existir um protocolo eficaz para proteger atletas de lesões na cabeça, na “vida real” ainda há falhas. O profissional destaca os principais problemas na adoção do guia e como melhorá-los:


Atletas “escondem o jogo”


Com medo de desapontar a torcida, time ou não poder continuar jogando, muitos atletas não relatam exatamente o que estão sentindo depois de uma pancada na cabeça. Por isso, Cezar defende a criação de um ambiente mais acolhedor no esporte. “A saúde a longo prazo sempre vem em primeiro lugar”, afirma o profissional da Clínica Espaço Hi, em São Paulo.


Pressão externa


Até mesmo técnicos e dirigentes podem pressionar para que o atleta volte a jogar antes da hora certa. Recentemente, a cena foi vista no Campeonato Brasileiro, durante o clássico entre Flamengo x Vasco. Na ocasião, um choque de cabeça fez o zagueiro vascaíno Robert Renan fosse substituído, mesmo com a pressão de seus companheiros afirmando que ele estava apto a continuar em campo.


“Para atletas de alto nível, a decisão de voltar a jogar deve ser feita por vários especialistas (médico do esporte, neurologista, psicólogo), sem a pressão do time”, ressalta o profissional.

Falta de profissionais ou recursos


Em campeonatos amadores, o problema é outro: a falta de profissionais ou recursos prejudica a ação para socorrer atletas em situações de pancada. Por isso, é tão importante a presença de uma equipe médica capacitada e estruturada em qualquer ocasião. Por fim, Cezar afirma que a segurança dos atletas é responsabilidade de todos.


“Só com o envolvimento e a conscientização de atletas, pais, técnicos, juízes, diretores de esporte, fabricantes de equipamentos e quem cria as regras poderemos ter esportes de contato mais seguros para o futuro”, finaliza o médico.


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